quinta-feira

Investigação em curso



Lembrar-se-á de eu lhe ter falado também de um Velásquez que comprei pela Christie's há 40 anos, depois das muitas investigações que fiz junto de especialistas e da National Gallery. Todos foram então unânimes em considerá-la uma obra de Velásquez. No entanto, mais recentemente, há uns 15 anos, outros especialistas vieram sugerir que o Mazo também tinha trabalhado no quadro. Você sabe como são os chamados especialistas, mas eu prefiro dizer-lhe as coisas com toda a candura! Creio que deveria catalogá-lo, sem receios, como um Velásquez. O retrato foi-me vendido com garantia de autencidade pela Christie's e provém de uma grande colecção. Carta de Calouste Gulbenkian a João Couto (Director do Museu Nacional de Arte Antiga), 18.07.1952

Os quadros são de muito boa qualidade e o retrato de Mariana de Aústria, que penso poder atribuir a Mazo, é uma bela peça e é muito importante para a nossa Galeria, que se encontrava privada de uma obra espanhola desta época. - João Couto a Calouste Gulbenkian, 05.09.1952

Com certeza estará a par do Congresso Internacional sobre restauração de quadros antigos que decorre neste momento em Lisboa, onde estão presentes todos os directores de museu americanos e das capitais europeias. A que conclusões irão chegar, não sei, mas a reunião deles tem dado muito que falar! Gostará de saber que o Velásquez que estava na minha posse e que doei há pouco tempo ao Museu de Arte Antiga, em Lisboa, foi agora examinado pelas personalidades acima referidas, e em particular pelo Doutor Canton, Director do Prado em Madrid, e o maior especialista na obra de Velásquez. Disseram-me que ele autentificou sem hesitação o meu quadro como sendo um Velásquez genuíno! - e ficou fascinado com ele. O quadro vai ser submetido a raio-X hoje, mas o Doutor Canton está convencido de que se trata de um Velásquez. Os nossos amigos de vários museus europeus estiveram muitas vezes inclinados a pooh-pooh [sic] o quadro, mas agora vergam-se à opinião de Canton, que se sobrepõe à deles. - Calouste Gulbenkian a MW(?), 31.12.1952

(Acho que a minha tradução destes extractos de correspondência, em inglês e francês, não está mal de todo, passe a presunção. Só me abstive de traduzir o «pooh-pooh» pela gracinha da expressão.)

Caro Sr. Gulbenkian,
Estive há dias nas Janelas Verdes. Era um domingo chuvoso, quase não deu para estar no jardim, mas tudo bem. Há algum tempo que já não visitava a colecção do Museu Nacional de Arte Antiga, sabe? Aqui na Internet, donde lhe escrevo, somos um bocadito preguiçosos para sair de casa. Andamos à procura de digitalizações de quadros, mais ou menos manhosas, no Google Images e frequentemente não passamos disto. E de repente vamos ao Museu e... bolas, não tem nada a ver.
Regalei-me com os retratos, sobretudo com o de D. Mariana d'Áustria, incluído no "lote" de obras que o senhor seleccionou para doar ao Museu de Arte Antiga, poucos anos antes de morrer. É um belíssimo quadro. Quero um penteado daqueles!
Agora a sério, também fiquei fascinada. As cores, aquele aparato todo na cabeça e no vestido, a expressão. Ela teria o quê, uns 16 anos? Parece uma criança. Dizia na legenda que este retrato terá sido pintado por volta de 1650 e na Wikipedia diz que ela nasceu em 1634 - é fazer as contas, que não são difíceis. Difícil é imaginar um casamento aos 15 com um homem quase 30 anos mais velho, D. Filipe IV (III de Portugal, mas depois tramou-se). Enfim, podia ser pior. Ele podia ser 100 anos mais velho do que ela. Divago. Entretanto, a primeira filha que tiveram foi a Infanta Margarita, aquela miúda famosíssima no centro d'As Meninas, de Velásquez, que a bem dizer pintou tudo quanto era retrato oficial da côrte espanhola naquela altura, certo?


Museo del Prado, Madrid. Foto El País

O retrato que está no Prado e o que está nas Janelas Verdes (e o que está no MET em Nova Iorque) é o mesmo, só que num a Mariana d'Áustria aparece de corpo inteiro, noutro só até aos joelhos (imagine-se, por debaixo de toda aquela armação) e, finalmente, em Lisboa, aparece só da cintura para cima (ver primeira imagem do post). Tudo Velásquez. Tudo Velásquez?
É aqui começa a (minha) confusão e era disso que eu lhe queria falar, Sr. Gulbenkian: na legenda do quadro que eu vi, no passado domingo, no palácio das Janelas Verdes, com estes olhinhos que a terra etc., diz que o quadro é do [Juan Bautista Martinez] del Mazo, o tal genro do Velásquez, que trabalhava com ele. Eu também pensava que tinha ficado decidido que era um Velásquez e não um del Mazo (sem ofensa, pessoalmente não tenho nada contra o homem, coitado). Aliás, no catálogo que tenho aqui à mão, de 1994, esta obra é atribuída a Velásquez. E nesta base de dados construída em 2002 pelo antigo IPM (hoje Instituto dos Museus e da Conservação), supostamente oficial, também diz que se trata de um Velásquez. Mas na legenda do quadro no Museu de Arte Antiga está del Mazo! Juro pela minha saúde, Sr. Gulbenkian.
Ando intrigadíssima. O que se terá passado? As outras variantes do retrato de Mariana d'Áustria - as que estão no estrangeiro - são todas Velásquez, mas afinal decidiram este - que é nosso, para todos os efeitos! - é um del Mazo? Quando é que isso aconteceu? Como? Com base em quê? E o Doutor Canton? E o raio-X?
É claro que não me cabe fazer este tipo de investigações (pouco sei de História de Arte), mas adoro estas coisas e sempre tenho algum tempo livre. Vou estando atenta e... se tiver novidades, volto a escrever-lhe.
Melhores cumprimentos,
Sara

9 comentários:

  1. só tu é que me compreendes, cec...
    um grande beijinho

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  2. Primeiro S. Vicente de Fora, agora este Vélasquez... O MNAA e as obras de autoria duvidosa...
    :)

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  3. Sara, vou tentar saber pormenores. :)
    Sabes qual é o número de inventário?

    Helena amiga da tua prima.

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  4. isso seria supimpa, helena. envio-te os detalhes por email. beijinhos, obrigada!

    p.s. e nem de propósito, este programinha cultural de domingo aconteceu precisamente com a prima-mãe e prima-filha :)

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  5. :)um sorriso da prima-mãe

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  6. ninguém diz "supimpa". o que é claramente injusto para com essa bela palavra. obrigada por ma lembrares, vou reutilizá-la mais vezes. :)

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Escuto.