quinta-feira

Commedia dell' arte



Tem graça (digo eu). Hoje quando estava na Cinemateca a ver La Magnani, a força da natureza, a actriz que Bénard da Costa adjectiva de "inadjectivável" no filme de Jean Renoir (The Golden Coach/Le Carrose d'Or/La Carozza d'Oro/A Comédia e a Vida, 1952), logo ao início quando ainda corria o genérico e só se ouvia a música de Vivaldi, pensei que ao aviso sonoro "por favor, desligue o seu telemóvel", devia acrescentar-se "é proibido conversar, comer ou levar sacos de plástico para dentro da sala". Pensei isto porque, como de costume, infelizmente, uma ou duas filas atrás de mim, alguém mal ocupou um lugar já estava a fazer barulho sob uma das três formas que acabo de enunciar. Entretanto o filme propriamente dito começava, mas ainda tive tempo de reflectir sobre o seguinte: o que pode o Pedro Mexia fazer para eliminar este incómodo? A acção decorria no ecrã, portanto tive de concluir brevemente, respondendo à pergunta que eu própria me tinha colocado: nada. O Pedro Mexia não pode fazer nada, porque não foi nomeado Educador para os Espectadores-Que-Não-Têm-Noção da Cinemateca. Não há nada a fazer. Concentra-te no filme, Sara, e abstrai-te do resto.

Gostei muito é quase tudo o que tenho para dizer. Quase, porque antes de me ir deitar ainda quero referir uma das cenas do filme, já que hoje é Dia Mundial do Teatro, não é assim?

Anna Magnani interpreta a actriz principal de uma trupe de commedia dell' arte que no século XVIII parte da Europa para o Perú, para o "novo mundo" - há alguém que a certa altura lança a interrogação «então que tal lhe parece o novo mundo?» e o outro alguém questionado responde, «ficará óptimo, assim que esteja finalizado» - e quando a companhia chega à terra que lhes parece ficar no fim do mundo, têm eles próprios de reconstruir um teatro em ruínas, contraindo dívidas que esperam poder saldar com as receitas de bilheteira. Mas, mas. Quem cobra as entradas é um agente oportunista explorador. Depois da primeira apresentação, com sala cheia de povo e alguns ilustres e grandes aplausos, Camilla (Magnani) e os outros actores espantam-se com a miséria que encontram na caixa. O patife explica: «É que aos Nobres fica mal pedir dinheiro; o Povo é pobre, não se lhe pode cobrar nada; só dá para vender bilhetes à Burguesia, como eu e pessoas do meu círculo. Ora, eu não vou exigir dinheiro aos meus amigos, era o que mais faltava!» Uma cultura lixada.

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