domingo

Se este mundo fosse feito para ser doce / eu seria doce fosse eu quem fosse*



Esta fotografia também foi tirada por mim - eu, que raramente fotografo o que quer que seja (pois se nem tenho máquina). É mais um fruto da minha obsessão com a Tate Modern na semana de férias que passei recentemente em Londres. Desta vez, já esgotados todos os ângulos possíveis e imaginários do meu objecto de admiração, decidi registar o reflexo nocturno do edifício no Tamisa. Não estou à espera que ninguém me felicite pela minha sensibilidade estético-artística. É só uma desculpa para voltar a (d)escrever qualquer coisa do que vi.

1) Nesse dia, estava um homem em frente ao museu, que soava tresloucado em cima de um banquinho, berrando aos ouvidos de quem passava: All women... Go back to the kitchen!!! Intercalava estas palavras de ordem com um discurso de que não percebi patavina, porque não me aproximei muito (medo de apanhar com algum perdigoto). Não consegui concluir se era uma performance ou se a criatura estava a tentar expiar algum trauma. De qualquer das formas, achei divertido.

2) E a intervenção de Doris Salcedo ("Shibboleth"), que partiu ao meio o chão da Tate? Literalmente brutal: uma racha nas fundações de betão, a espaços relativamente profunda (também não vale a pena empolar expectativas, interessa mais o carácter simbólico do que espectacular), que vai de uma ponta à outra do Turbine Hall. Como toda a gente, fiquei fascinada com o insólito da instalação. (Até tirei fotografias, mas vou-vos poupar a essas.)

Explica o desdobrável: (...)A shibboleth, according to the Oxford English Dictionary, is 'a word used as a test for detecting people from another district or country by their pronunciation; a word or sound very difficult to foreigners to pronounce correctly.' It is, therefore, a way of separating one people from another. The word refers back to an incident in the Bible. The Book of Judges describes how the Ephraimites, attempting to flee across the river Jordan, were stopped by their enemies, the Gileadites. As their dialect did not include a 'sh' sound, those who could not say the word 'shibboleth' were captured and executed. A shibboleth is a token of power: the power to judge, refuse and kill. What might it mean, however, to refer to such violence in a museum of modern art?(...)

A isto não sei responder. Que o façam críticos, curadores e historiadores de arte. Mas sei que como portuguesa - se há coisa que não falta na nossa língua são 'sh's - a mim não me apanhavam os Gileaditas...

3) Anseio pela hora de rever o filme de Cronenberg, sobretudo a cena memorável de Nikolai, tal como veio ao mundo, bare-handed, a lutar ("viggorosamente") pela sua sobrevivência nos banhos públicos, e em desvantagem numérica contra o inimigo. Concepção e execução extraordinárias da dupla realizador-actor numa coreografia de força, sangue e instinto - embora gostasse de deixar claro que não considero de todo gratuita a violência do filme: está ali o que deve estar, e nem uma garganta degolada a mais (apesar de eu me ter contorcido na cadeira e fechado os olhos várias vezes). A implacabilidade de Viggo Mortensen, aliás, Nikolai, ideal entre ideais para sonhos eróticos, com tatuagens e sem compromissos, numa noite de Inverno.

*Excerto de uma letra dos Quinteto Tati (em "Valsa Quase Antidepressiva"), ao cuidado do Daniel.

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