segunda-feira

Segunda-feira

O novo ser diz que se chama Eva. Tudo bem. Não tenho objecções. Diz que é para o chamar quando queira que ele venha. Eu disse que, nesse caso, era supérfluo. Esta palavra fez-me subir na sua consideração e é, de facto, uma longa e boa palavra capaz de suportar a repetição. O novo ser diz que não é um ser, mas uma Ela. Duvido, mas tanto me faz. O que Ela seja não me faria diferença se Ela se metesse na sua vida e não falasse. (Adão)

Hoje de manhã disse-lhe o meu nome. Estava com esperanças que lhe interessasse. Mas ele não ligou nenhuma. É estranho. Se fosse ele a dizer-me o seu nome eu tinha-me interessado. Para os meus ouvidos teria sido o mais doce som que eu jamais ouvira.
Ele fala muito pouco. Talvez seja por ser pouco inteligente, e saiba disso, e procure escondê-lo. É uma pena que ele pense assim porque a inteligência não vale nada: é no coração que está o valor. Quem me dera poder fazê-lo entender que um coração cheio de amor é um tesouro, é tesouro que baste e que sem ele o intelecto é uma pobreza.
Apesar de falar pouco tem um vocabulário surpreendente. Hoje de manhã usou uma palavra surpreendentemente boa. Ele mesmo reconheceu que era boa porque a conseguiu meter mais duas vezes na conversa ao longo do dia, casualmente. Foi arte casual mas, mesmo assim, demonstra que ele possui uma certa qualidade de percepção. Sem sombra de dúvida essa semente pode vir a crescer, se cultivada.
Onde terá ele ido buscar a palavra? Eu nunca a usei.
(Eva)

Mark Twain, "Excertos dos diários de Adão e Eva", Cavalo de Ferro

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