sexta-feira

A quantas andas

Eu andava a pé depressa, atrasada para um jantar. Aproximava-me a passos largos do que, visto por trás, me parecia uma alma penada, uma criatura perdida no tempo. Arrastava-se pelo passeio, vestia umas calças de ganga largas, descoloradas, gastas, desfiadas. E uma camisola escura com o capuz a tapar-lhe a cabeça. Não percebi se seria homem ou mulher. Talvez nem uma coisa nem outra. Quando fiz a ultrapassagem, esforcei-me para não ceder à tentação de virar a cabeça e descobrir-lhe o desenho do rosto. Continuei a andar. Mas logo depois ouvi-lhe a voz trémula: «Desculpe, que horas são?» - abrandei e respondi que não tinha relógio. Era verdade; não uso nada nos pulsos, embora soubesse que eram quase nove da noite. Sem idade, sem feições, insistiu: «Assim mais ou menos, que horas são?».

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Escuto.