terça-feira

To be is to perform

Na blogosfera que frequento, vejo muito poucas referências ao Festival Alkantara - a excepção é O Melhor Anjo, a que cheguei via Da Literatura e onde não se tem falado doutra coisa. Também tenho andado meio distraída, verdade seja dita, e não fosse um amigo a dar-me um toque sobre o assunto (obrigada, Vasco!) teria perdido ontem a oportunidade de ver o espectáculo multimédia de Patrícia Portela, "Trilogia Flatland", que foi distinguido em 2004 com o Prémio Acarte/Maria Madalena de Azeredo Perdigão, e para o qual ainda consegui comprar os últimos bilhetes disponíveis.


Flatland I - Going up, not North

Na realidade são três espectáculos, integralmente "falados" em inglês, agora apresentados duma só vez (esta rima foleira não foi propositada). Na primeira parte, que dura cerca de 50 minutos, num ecrã que simula um livro aberto, e onde são projectadas palavras e imagens com acompanhamento sonoro, o Homem-Plano discorre sobre a bidimensionalidade em Flatland, onde vive, concluindo que lhe faz falta uma terceira dimensão cujo alcance passará pela presença dos espectadores (cerca de 60, na sala de ensaio do CCB).

Happy with the discovery but unhappy with the dependency, Flatman organizes a strategy to conquer his tri dimensional immortality.

Durante quase uma hora, absorve-se uma quantidade imensa de informação e ironia, chega a ser cansativo, mas quando se torna quase aborrecido, aparece o Homem-Plano calçado com os sapatos vermelhos de Judy Garland em The Wizard of Oz, intimando-nos a assinar um contrato. Dois assistentes, vestidos de terroristas com fatos laranja e carapuças, distribuem os papéis, onde nos pedem para colocar a nossa impressão digital. Algures por aqui terá começado o segundo segmento.


Flatland II - To be is to be seen

Somos encaminhados para a saída da sala, percorremos um corredor, escadas e de repente estamos a subir para um autocarro estacionado no exterior do CCB. Fomos sequestrados, com consentimento.

Não sendo um espectáculo interactivo (e jamais previsível), porque nenhuma parte da "acção" depende realmente das reacções do público (basta que tacitamente nos deixemos levar), a performance que se segue é repleta de momentos fortes. (Um dos quais julgo que não foi planeado, quando o condutor da viatura que transportava os "reféns", seguindo pela Rua da Junqueira, ia arrancando um quiosque plantado numa esquina quando dava a curva.)

Chegamos então a um velho armazém, sempre na companhia dos encapuzados (um dos quais é a própria Patrícia Portela). O Homem-Plano canta, dança, discursa, teoriza. Conta a história do terrorista árabe, que antes de se fazer explodir num edifício duma qualquer capital ocidental, foi tomar um chá de menta "do outro lado da rua" e encontra uma lamparina que continha um génio... Einstein, que o confrontou com uma série de evidências, deixando-o abananado e já sem saber que desejo pedir. O Homem-Plano faz ainda truques de magia e atende telefonemas da polícia, que (supostamente) está lá fora a cercar o "local do crime". Ouvem-se sirenes.

Mas eles tratam-nos bem, oferecem-nos martinis, salgados e bolos da Versailles, e até mandam vir pizzas (o espectáculo tinha começado às 20h). Better to order also vegetarian; there are always vegetarians among the audience. Passado um bocado, entra pelo "palco" adentro uma rapariguinha numa mota a entregar a encomenda.


Flatland II (no espaço alternativo)

Enquanto isto, continua a projecção de imagens nas paredes, excertos da série James Bond e alguns de King Kong. (Coincidência que me deixou deliciada, foi ver reproduzida precisamente esta cena.) Depois somos encaminhados de regresso ao autocarro, e quando estamos quase a chegar ao CCB o Homem-Plano aparece na estrada a mandar-nos dar meia volta para a Rua da Junqueira. Novamente no armazém, até sermos "salvos" e abandonarmos as instalações por uma porta de saída na qual existe um escorrega insuflável de emergência (como os dos aviões), flashes de jornalistas e cobertores de alumínio para nos aconchegar depois do "choque". Terminou o sequestro, ninguém ficou ferido. O espectáculo continua para o terceiro segmento.

Como é óbvio, isto não é uma crítica de teatro, mas ainda assim não achei tão bem conseguida a última parte, Flatland III, para mim talvez demasiado complexa na interpretação, mais de duas horas decorridas. A zapping spectacle of noise, static and news... num dos átrios do CCB - para onde regressámos no referido autocarro - com sofás e vários ecrãs televisivos.

Já (d)escrevi bastante, por isso vou abreviar: gosto muito do trabalho de Patrícia Portela e a performance do actor que interpreta a personagem Flatman é excepcional. A seguir ainda dei um salto à Bica para mergulhar no mar de gente que aproveita o Santo António para se embebedar e dançar ao som do "Aperta com ela". Foi um serão pós-moderno.

Adenda para bloggers #1: O Ricardo Babugem, agora em Devaneios, também se cruzou com as artes performativas. E por gracinha, verifico que na ficha técnica de Flatland os efeitos especiais estão a cargo de Irmã Lucia, com certeza aparentada do Pedro, agora mais conhecido como Irmão Lucia, que também mudou de poiso.

Adenda para bloggers #2: Espero que o Zé "Prisas" Amaral não tenha ido dentro por causa de nenhuma acção terrorista. Memórias do Cárcere, um blogue... original.

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