This is not art, this is life!
O meu trabalho de tradução e legendagem de filmes para o doclisboa já acabou. Mas não consigo largar as listas de diálogos (no original) de Ross McElwee. Leio e releio. Quando Ross era muito novo queria ser escritor. Depois começou a interessar-se por cinema, e pelo género documentário em particular. O cinema verité no entanto não o satisfazia. Sentia que faltava qualquer coisa. Filmar "a realidade" sem qualquer intervenção do realizador parecia-lhe estranho. Por isso, começou a fazer exercícios auto-biográficos em que ia revelando o que pensava enquanto filmava. Foi aí que encontrou a sua voz e é por isso que os filmes dele me parecem tão originais e extraordinários. Porque consegue falar dele sem ser chato, com uma auto-ironia deliciosa, ao mesmo tempo que se debate eloquentemente com questões metafísicas comuns. Profundo, mas muito simples e despretensioso.
Sherman's March foi um dos documentários mais vistos nos Estados Unidos, nos anos 80, antes da "era Michael Moore" - com quem Ross, apesar de tudo, não se identifica nem um bocadinho. Neste filme ele parte num périplo pelo Sul, seguindo o rasto de destruição que o general Sherman deixou para trás durante a Guerra Civil Americana. Simultaneamente parte em busca da mulher ideal por quem se apaixonar. Encontra uma linguista, uma aspirante a actriz, uma militante anti-nuclear e outras. É claro que não é exactamente a vida de Ross que ali vai sendo exposta. Ele cria uma persona baseada em si mesmo, é quase uma caricatura do homem que vive através da câmara.
It's a little like looking into a mirror and trying to see what you look like when you're not really looking at your own reflection.
Depois, vai buscar "home movies" da infância dele e outros que ele próprio foi fazendo sem nenhum objectivo específico. Aproveita na montagem muitos excertos, chega a usar os mesmos de filme para filme, dando-lhe novos significados. Há também uma série de "personagens" recorrentes no seu trabalho, pessoas que lhe são próximas como o pai, a mulher, o filho - estes dois últimos nos filmes mais recentes. A minha preferida é Charleen, uma amiga de Ross de longa data, que foi professora dele na escola secundária, em Charlotte, de que ambos são naturais. Charleen é uma força da natureza, hiper-enérgica, muito divertida, mas que também revela por vezes uma sensatez desconcertante. Não resisto a transcrever mais um excerto de Sherman's March em que Charleen está a tentar impingir uma amiga a Ross, que vai filmando tudo enquanto conversa com os seus interlocutores "escondido" por trás da câmara.
Restaurant;
Charleen: I am bored with your singleness. It is a bore for you to get to middle age and be lonely.
Ross: Well, I've made attempts at correcting that situation.
Charleen: That's the other thing that's boring - failure! You have been insufficient in this quest, so I have to take over. (...)
Meeting Deedee;
Charleen: Now look at him for the first time.
Ross: Hello, Deedee. I'm glad to meet you.
Deedee: I'm glad to meet you too.
Ross: Charleen has, to say the least, said a lot about you.
Deedee: And about you.
Charleen: Would you stop!
Ross: Don't touch the lens!
Charleen: I can't help but touch it. This is important. This is not art, this is life! (...)
Porch;
Charleen: What happened with Deedee last night?
Ross: Charleen, did you know that she's a Mormon?
Charleen: Well, I didn't know it at first.(...)
Ross: I don't see why you thought we had that much in common. We're actually very different people. She intends to marry someone who can bring the priesthood into her house.
Charleen: Who can bring the priesthood into her house...? Ross, I counted on you about that. I figured that even though Deedee's a Mormon, that the moment she saw you, she'd realize that religion was just a stall for time.
Ross: No, she's very serious about her religion.
Charleen: She's only serious about her religion because she's not in love. If she would fall in love with you, it would be different. Ross, you blew it with Deedee, but while you were gone to Atlanta, I found a girl who's better than Deedee. I found a wonderful girl. She looks like the angel on the top of the Christmas tree. She's absolutely perfectly beautiful. She's not a Mormon; in fact, she sleeps around! I can't wait for you to meet her...
Voice-over;
Ross: I decided to leave Charleston before I get into more trouble with Charleen's ideas of marriage brokerage. (...)
E por aí fora. No meio disto tudo, Ross aborda também os tiques e manias do Sul dos Estados Unidos, e não só. A relação entre negros e brancos também é um dos tópicos recorrentes. Enfim, gostava de fazer mil posts sobre o trabalho dele, mas não pode ser, até porque os filmes são para ser vistos e não lidos.
Thank you, Ross. It was such a pleasure. Keep up the good work and give my regards to Charleen.
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